Muitos são os refúgios que buscamos para enganar a dor ou para criar uma blindagem que neutralize suas flechadas. Uma autoabdução voluntária ou não, que pode surgir de modo drástico, como única proteção contra os ataques externos de uma sociedade que determina padrões de comportamento e adequação. Baseada em aspectos físicos ou em opções de vida ligadas à profissão, sexualidade, posturas ideológicas, essa exigência pode levar à asfixia dos potenciais do desenvolvimento humano, embotando a sensibilidade e o talento.

No caso de Auggie Pullman, personagem (real) do sempre surpreendente Jacob Tremblay no longa-metragem Extraordinário, de Stephen Chbosky, o espaço e seu capacete de astronauta cumprem a função de escudo contra as reações ostensivas de quem não consegue dissimular o estranhamento frente a uma inusitada deformidade facial.

Estudou em casa com a mãe, conhece o amor graças à humanidade de seus pais, seu cachorro, sua irmã e à melhor amiga desta, mas chega o dia em que ele terá de enfrentar o universo escolar. Com a crueldade infantil de uns e a generosidade de outros, vê-se a luta por uma igualdade utópica e pelo reconhecimento de seu profundo saber acadêmico, fruto de uma inteligência privilegiada.

Não há metáforas, mas fatos concretos. Não há armadilhas para que caiam lágrimas do espectador, há uma incansável batalha diária para que se resgate no cotidiano embrutecido contemporâneo algo da delicadeza e da gentileza que o bullying vem enterrando. Auggie tem humor, sobrevive com a integridade de seu já notável caráter e suas 27 cicatrizes de cirurgias faciais. E o filme sobre sua trajetória consegue contar uma história de perseverança, sinceridade, generosidade e valentia.