Ana acorda todos os dias às 7 horas da manhã, toma seu café acompanhado de algumas torradas com requeijão, checa a previsão do tempo, se veste de acordo com a temperatura, olha como está o trânsito – se a avenida principal de sua cidade está parada, não é uma boa ir de carro hoje. Pega o metrô, para em um restaurante para o seu segundo café do dia, entra no prédio onde trabalha, sobe de escada porque hoje não vai dar tempo de ir à academia, senta no computador, abre a página de notícias, se desespera com a violência na cidade (talvez seja melhor se mudar para um lugar mais tranquilo). Envia alguns e-mails, responde alguns outros. Chega a hora do almoço, hoje ela está com vontade de comida japonesa. Vai ao restaurante mais gostoso, porque o vale-refeição caiu nessa mesma semana. Parte para o terceiro café do dia. Tem reunião à tarde, é melhor reservar alguns minutos antes para se preparar. A reunião corre sonolenta, mas alguns pontos são resolvidos. Ana vê as redes sociais e faz alguns testes do Buzzfeed. Ela volta a responder alguns e-mails e depois foca na grande apresentação que tem de fazer na próxima semana. Os amigos da faculdade mandam mensagens no WhatsApp, ela responde na hora. O que vão fazer neste fim de semana? Chega o final do dia, o trânsito está mais tranquilo, Ana pede um Uber para casa, já que o metrô está caótico. Chega, alimenta os gatos, liga a televisão, fica 30 minutos procurando o que assistir na Netflix, vê alguns episódios daquela série que a chefe recomendou. Não gosta muito, mas é bom ter assunto com a chefia. É melhor ir dormir para não perder a hora amanhã. Corre a mão pelo feed do Facebook. Sua prima se casou. Agora é melhor ir dormir mesmo. Bota o celular para despertar às 7 horas.


Se identificou com Ana? Provavelmente há vários pontos em seu dia que são comuns aos dela. Mas tem uma coisa que se repete durante toda a rotina de Ana, assim como na sua e na minha, e que de tão intrínseco nem todos percebem: a necessidade constante de tomar decisões. Sim, desde o acordar até a hora de ir dormir, desde o seu nascimento até o fim de sua vida. Tudo isso é feito e construído por meio das suas decisões, sejam elas grandes ou pequenas, conscientes ou inconscientes. Mas não se assuste ou se deixe levar pela ansiedade. “Cada vez, cada dia, nós tomamos decisões. E em nossa mente acontece um verdadeiro conflito entre lógica, intuição e racionalidade. Todas as nossas ações são distintas, caracterizadas por esse acontecimento”, revela o psiquiatra e filósofo italiano Mauro Maldonato, autor do livro Na hora da decisão (Edições Sesc), recém-lançado no Brasil.

Claro que, senão todas, muitas dessas decisões do cotidiano acontecem no âmbito de nosso inconsciente, ou seja, não estamos o tempo inteiro refletindo sobre cada ação que devemos tomar, o que acarretaria um fluxo insano de informações à mente. “Quando tomamos uma decisão, muitas vezes acreditamos que estamos fazendo algo consciente, quando na verdade é totalmente inconsciente. Todo esse processo ocorre numa camada abaixo do consciente. O que acontece é que nesse momento o seu cérebro começa a calcular muitas coisas e possibilidades e você não está nem ciente de toda essa atividade que está acontecendo nele”, descreve o neurocientista argentino Mariano Sigman, autor do também recém-lançado livro A vida secreta da mente (Editora Objetiva).

Segundo ele, apesar de não acompanharmos esse processo na íntegra, nosso corpo nos comunica sobre o momento decisório: “Toda essa atividade de nossa mente, tudo isso manda um sinal para o seu corpo, o batimento cardíaco aumenta, a pele começa a suar. Enfim, é como se o seu cérebro estivesse preparando o seu corpo para alguma coisa, algum acontecimento”.


A explicação de tal conceito é ampliada pelo neurocientista André Frazão Helene, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP): “Mais proximamente do momento da condição em que a decisão ocorrerá, nosso cérebro irá gerar atividade subliminar nas vias que se espera estejam envolvidas na ação: sensoriais, de planejamento e motora. Isso faz com que iniciemos a resposta esperada antes mesmo do momento em que ela deve ocorrer, fazendo com que seja mais eficiente”.

Além de enviar um sinal para o nosso corpo, o inconsciente também atua diretamente nas nossas escolhas, se aliando aos impulsos e emoções. “Amo dizer que não somos máquinas pensantes, mas somos máquinas biológicas que pensam. É uma coisa muito diferente, porque, se você olha para a estrutura do seu cérebro, pode ver que boa parte dele é formada pelas estruturas intuitivas, emotivas, de impulsos, inconscientes, que correspondem à parte mais rica de nossa vida”, discorre Maldonato.

Nessa questão, a psicologia dá conta de responder de que maneira nós nos inclinamos, sob o controle do nosso inconsciente, a tomar alguns tipos específicos de decisões dentro desse processo. “Em alguns momentos, escolhemos pela via do prazer, independentemente das consequências. É o que chamamos de atitudes impulsivas: optamos por sair em vez estudar, ou por ficar mais um pouco, sabendo que temos um longo dia pela frente. São momentos em que não medimos muito as consequências. Outras vezes decidimos a partir da fuga do desprazer: não necessariamente teremos prazer nas escolhas, mas pensamos que escolhemos ‘dos males o menor’”, explica Clarice Pimentel Paulon, psicóloga membro do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.

Evidentemente, as emoções, então, passam a ter um papel central no processo decisório, apesar de em várias ocasiões serem desconsideradas ou consideradas menores em contraponto a um raciocínio lógico e totalmente racional. “Elas têm papel importante em pelo menos duas frentes. Por um lado, os estados emocionais definirão o estado fisiológico no momento da tomada de decisão. Isso irá alterar a forma como o sistema responderá. Estados emocionais positivos podem auxiliar na retenção de informações em comparação aos estados neutros. Assim como negativos são muito eficientes também no favorecimento da retenção de novas memórias”, explica Helene.

É interessante notar, como atesta o professor de filosofia da USP Roberto Bolzani Filho, que as “deliberações que preparam tomadas de decisões resultam da maneira como vemos o mundo e os valores que encontramos nele, ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, levamos em conta, de forma prioritária, nossos interesses pessoais”.

É nessa conjuntura que formamos uma bagagem emocional e psíquica acerca de nossas escolhas, as quais se acumulam e crescem, dando sentido à trajetória de vida. Assim como nos conhecermos como indivíduos frente aos problemas e questões que a vida nos propõe. “A tomada de decisões faz com que entendamos o modo como lidamos com situações cotidianas. Se somos mais impulsivos e tomamos decisões mais rapidamente, somos considerados mais ativos perante a vida, do contrário, somos mais conservadores em nosso modo de reagir e considerados mais passivos. No entanto, essas características não são estanques e podem mudar de acordo com as situações que passamos. O ser humano é sempre capaz de se adaptar e se transformar, e os processos decisórios nos indicam quanto podemos ser diferentes em cada situação”, finaliza Clarice Paulon.