O grupo teatral Ponto de Partida sempre procurou temas que tocassem profundamente seu público. Seguindo essa premissa, Vou voltar, o novo espetáculo dos mineiros de Barbacena, faz jus a essa filosofia, jogando luz nas questões dos refugiados e das fronteiras que os impedem de transitar livremente. O medo, a perda da identidade, o acolhimento, a rejeição, a coragem e a violência são alguns dos assuntos abordados na trama, que fica em cartaz no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, de 10 a 20 deste mês.


Para contar essa história, o grupo voltou seus olhos para a trajetória de um dos mais antigos grupos de teatro da América Latina: o uruguaio El Galpón. Às vésperas de completar 70 anos de atividades ininterruptas, a inspiradora história do grupo – que, durante a ditadura militar no Uruguai, foi proibido de atuar, sendo seus diretores presos e torturados e grande parte dos integrantes exilados no México – serviu de pano de fundo para o espetáculo.

Regina Bertola, diretora e dramaturga do Ponto de Partida, explica que o grupo está sempre atento ao que acontece no mundo, com o que os incomoda e os inspira. “Essa questão dos refugiados estava muito presente, a impossibilidade da acolhida, aí propus que a gente fizesse uma pesquisa, e vimos que isso não é um fato atual, vem lá do êxodo dos hebreus, da Segunda Guerra, da Etiópia, e que a questão era o porquê desses fatos acontecerem, o que impele a humanidade a achar que em um planeta desse tamanho não há lugar para todos.”

Para Júlia Medeiros, atriz e gestora da companhia, a peça representa muito do que o grupo é. “Um trabalho de resistência e devoção absoluta de entrega ao teatro e à arte, e dessa busca pelo nosso lugar, pela liberdade. É isso o que o grupo busca desde sua fundação, ideologicamente, e muito do que ele pratica por meio de seus espetáculos, de sua militância artística e política”, diz.

Ao mesmo tempo que o enredo remete a um outro período e país e com pessoas de outros lugares, ele traz conceitos e vivências próprias do homem de qualquer local e tempo. Para a montagem, integrantes do grupo foram, inclusive, para Montevidéu, onde passaram uma semana entrevistando diariamente os integrantes do El Galpón, entre eles o diretor, ator, dramaturgo e professor Arturo Fleitas, integrante da companhia desde os primórdios e que anunciou sua aposentadoria dos tablados em 2015. Para ele, a homenagem prestada pelo Ponto de Partida é um prêmio e um grande privilégio. “Temos muito tempo de amizade com o grupo Ponto de Partida, gostamos muito deles, e eles decidiram fazer um espetáculo sobre nossa experiência, trazer uma reflexão sobre isso. Sinto-me muito emocionado, e os companheiros que foram à estreia da peça em Barbacena nos contaram que não conseguiram conter as emoções durante toda a apresentação ao se verem replicados naquele texto, naquelas ações que foram criadas em cena. Sentimos uma enorme gratidão e acrescentamos o amor que expressamos a esse grupo tão querido.”

Arturo relata que a experiência de exílio é sempre algo muito traumático, mas que o grupo, unido, soube tirar coisas muito boas de uma situação extremamente degradante. “O pior do exílio foi estar longe de nossos afetos, de nossa terra, de nossas cidades, e ter de se encontrar em um meio desconhecido e lutar para sobreviver. O melhor foi a maneira com que o El Galpón pegou os instrumentos para poder enfrentar isso. Decidimos ir todos juntos só tendo a nós mesmos naquela época.”

Para Regina, Vou voltar é um espetáculo latente, que pulsa porque guarda toda essa história de vida e sobrevivência emocionante. “Não é um espetáculo histórico de jeito nenhum, é uma peça de teatro. Mas ela tem essa pulsação. A montagem foi assim e guarda as características do Ponto de Partida, que é um teatro muito desenhado, com música ao vivo e os atores que cantam. A música e a imagem são muito fortes para nós. A peça é também homenagem a todos os artistas que resistem, que mantêm intacta a fé, que conseguem segurar esse fósforo de esperança, que seguem em frente.”


AGENDA CHEIA
De passagem por SP neste mês de novembro, o Ponto de Partida apresenta ainda, nos dias 17, 18 e 20, o espetáculo Mineiramente, também no Sesc 24 de Maio. Nos dias 13 e 14, Regina Bertola, fundadora e diretora da companhia, participa de um bate-papo sobre gestão e sustentabilidade de espaços culturais com Adriano Mauriz, diretor do grupo Pombas Urbanas, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc; e, no dia 14, o ator e músico Pablo Bertola se apresenta com sua banda na Tupi or not Tupi.