Rostos, vilarejos, cidades inesperadas no meio do caminho, singelezas, pessoas que encontramos ao acaso ou de modo fortuito nos prosaicos lugares do cotidiano. “O acaso sempre foi o melhor dos meus assistentes.” É assim que Agnès Varda, a profícua cineasta belga radicada na França, e uma das principais expoentes da nouvelle vague, define sua relação com o cinema. Um princípio que mais uma vez ela prova com seu novo documentário, Visages, villages, registrando as relações humanas e a memória a ocupar lugar de honra.

JR, muito além de fotógrafo, mentor de uma galeria a céu aberto, se apodera de sua câmera e parte pelas estradas do interior da França, agora com sua parceira Agnès, em busca de rostos, corpos e histórias de vida que justifiquem o axioma de que a arte tem por missão surpreender.

O início do documentário, a quatro mãos – premiado em Cannes e que recebeu em São Paulo o Prêmio Humanidade, concedido pela 41ª Mostra Internacional de Cinema –, não permite antever seu desfecho e, assim, percorremos os caminhos de Varda e JR embalados pela ternura e pela delicadeza que a cineasta dedica ao humano. A viagem segue entre tiradas de humor e reminiscências das criações de ambas as partes, JR com seus 34 anos de idade e Agnès com 89. Encontram uma cabra gigante, o carteiro, o mar – que, segundo Varda, tem sempre razão –, o singelo colecionador de tampinhas de garrafa, visitam a tumba de Henri Cartier-Bresson. Mas é na contundente figura de Janine e no encontro com as esposas de trabalhadores das docas que o documentário alcança sua plenitude.

Janine é filha de mineiros, a única sobrevivente da rua. Dali não arreda pé, honra seus antepassados, e, por ter lembranças demais, pretende acabar seus dias na rua deserta. As fotos e os relatos dão conta das feridas de que padeciam os trabalhadores das minas de carvão. JR amplia a foto de Janine, cobre sua casa com seu semblante e o choro incontido da retratada simboliza a síntese da mulher que fez do cinema uma plataforma para mostrar que a poesia é ainda possível em um mundo que insiste em embrutecer. E, ao vermos o olhar de melancolia em uma das últimas cenas de Visages, villages, sente-se uma cineasta que consegue abraçar com sua obra toda a humanidade.