É consenso entre os gerontólogos e outros especialistas que se debruçam sobre o “envelhecimento” a necessidade de mudarmos as formas de representação do velho na sociedade, a começar pelo dever de maior protagonismo do idoso. Se os indivíduos passarem a perceber a velhice como uma etapa da vida – com aspectos negativos e positivos –, em vez de negá-la, discriminá-la ou mesmo ignorá-la, teremos condições de atravessar esse momento de maneira honesta, significativa e humana. Assim, o engajamento social das pessoas com mais de 60 anos será facilitado.

Nesse contexto, surgem dois conceitos potentes para tornar os idosos engajados socialmente: a aprendizagem ao longo da vida e o “envelhecimento significativo”. Mas não podemos omitir as diversas causas de isolamento social do velho no Brasil: falta de mobilidade urbana, limitações físicas e cognitivas, preconceito social, ausência de políticas públicas, falta de rede de contatos e acesso a informações, isolamento da família, analfabetismo, entre tantas outras.

A crise identitária da velhice é um dos vetores de isolamento mais graves. Contudo, o processo de ressignificá-la está em curso e ganhou impulso a partir de 1988, com a Constituição Federal reconhecendo o idoso como um agente político; em 1994, com a Política Nacional do Idoso, que dava garantia à terceira idade; e em 2003, com a sanção do Estatuto do Idoso, que estabeleceu inúmeros direitos.

SIGNIFICADOS
Andrea Lopes, antropóloga com experiência em antropologia urbana e gerontologia, coordenadora das linhas de pesquisa Envelhecimento significativo e engajamento social, assim como de Envelhecimento, aparência e significado (EAPS), do curso de pós-graduação em gerontologia da USP, investiga a importância dos significados produzidos nas diversas formas de engajamento social do idoso na construção dos cursos de vida.

A verve antropológica de Lopes a motivou a extrair do conceito de “participação social” uma possibilidade mais significativa, a do “engajamento social”, porque, para ela, a participação social do idoso pode mostrar sua presença em eventos sociais, mas não fazer sentido, não ter significação. “A ideia de engajamento social preconiza que o envolvimento social do velho inclui sentido e transformação. Aquele sentido de participar socialmente se torna tão envolvente que você se transforma no processo.”

Na vanguarda dos estudos, Lopes destaca a necessidade de pensar sobre o “envelhecimento significativo”. Embora ela reconheça que “conceitos como o de ‘envelhecimento ativo’ e ‘envelhecimento bem-sucedido’ sejam constructos teóricos muito potentes e que têm enormes contribuições, o ‘envelhecimento significativo’ promove algo importante, que é a construção da vida a partir de significados. A ideia do envelhecimento significativo é que, ao longo da vida, a gente produza uma sociedade potente, para que as pessoas façam escolhas que tenham sentido para elas, que incluam as suas diferenças e as suas potencialidades. Em geral, o sentido que as pessoas constroem para suas vidas é que produz bem-estar”.


PARTICIPAÇÃO
Uma das principais formas de engajamento social de idosos no mundo é o trabalho voluntário. É o que afirma Lopes, autora do livro Os desafios da gerontologia no Brasil, com base na pesquisa desenvolvida em seu doutorado, estudo que investigou o trabalho voluntário realizado por idosos japoneses em comparação aos idosos norte-americanos e brasileiros, em três instituições, uma em cada país. “O trabalho voluntário tem uma característica que os norte-americanos chamam de retribuição social. Existe um aspecto estudado na psicologia do envelhecimento que se chama ‘geratividade’. Esse conceito diz que quando a gente vai envelhecendo vai tendo uma necessidade intrínseca de deixar um legado no mundo, é o famoso ‘plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro’. O trabalho voluntário é bastante ‘gerativo’ e abre oportunidades para os idosos ensinarem com sua experiência. Mas o que nossa pesquisa revelou, e outros estudos também, é que os idosos se mantêm atualizados, aprendem, criam grupos e participam de metas sociais”, esclarece a antropóloga.

Os benefícios que os idosos relataram obter com o trabalho voluntário fizeram com que Andrea Lopes questionasse a ideia de altruísmo, uma vez que os voluntários disseram que recebem mais do que eles dão. “Em termos de benefícios, nossa investigação revelou que nos três países os idosos têm inúmeros benefícios, em vários domínios da vida: psicológico, social e biológico. Os idosos relatam bem-estar biológico, de saúde – têm uma saúde percebida melhor, notam que se sentem engajados, sentem um bem-estar psicológico mais apurado. O que nossa pesquisa tenta revelar é que, infelizmente, o trabalho voluntário não tem sido sistematicamente organizado para todos os perfis possíveis de idosos. Existem iniciativas, mas as mais potentes acabam atraindo idosos que têm um perfil bem específico, pelo menos nas três instituições onde pesquisamos – não posso generalizar nunca.”

No Brasil, as iniciativas de organização do trabalho voluntário para quem está na terceira idade, nas palavras da estudiosa, “ainda não têm o refinamento” das ações japonesas e norte-americanas para a mesma área. Ela também reflete sobre outras possibilidades de participação: “O voluntariado é uma via de participação e engajamento social, mas é para todo idoso? Que outras formas a gente precisa potencializar, reconhecer e valorizar? As pessoas querem ser voluntárias? A gente precisa ampliar as oportunidades”.

VIRADA DA MATURIDADE
A Virada da Maturidade, um dos eventos mais representativos voltados para o engajamento social do idoso, chegou a sua terceira edição em 2017. Com o objetivo de conscientizar e valorizar o protagonismo do velho na sociedade, a Virada aconteceu entre 27 de setembro e 1º de outubro e reuniu 19 mil pessoas, que se distribuíram por cerca de 220 atividades realizadas em 50 pontos da cidade de São Paulo. O evento foi estruturado em torno de atividades físicas, educacionais e culturais.

A psicóloga e organizadora da Virada da Maturidade, Fernanda Gouveia, juntamente com Fernando Seacero, fala sobre o engajamento social do idoso como possibilidade para combater o isolamento social e descreve como se dá esse processo de diminuição da participação na vida dos velhos em geral: “A vida social do idoso sofre uma redução. Primeiro porque as pessoas da geração acima da dele na maior parte das vezes desapareceram; ele também pode perder muitos pares da mesma geração por morte, incapacitação ou distanciamento. Para a maior parte dos idosos, a vida profissional é interrompida pela aposentadoria, ou por algum outro problema. O relacionamento social acaba ficando muito restrito à vida familiar, mas, muitas vezes, as famílias não têm tanto tempo para os idosos, e eles acabam ficando com um dia a dia mais ocioso. O investimento em vida social traz muito mais energia, muito mais sentido para a vida”.

Docente dos cursos de graduação em psicologia e pós-graduação em gerontologia social na PUC-SP, Gouveia fala ainda sobre as possibilidades que são abertas pelo evento no sentido de uma maior conscientização sobre a velhice e o velho: “A Virada é um movimento de reflexão, tanto para idosos quanto para jovens. A gente coloca o idoso protagonizando e mostrando todo o potencial que ele tem, num período de cinco dias, com ‘um milhão de possibilidades’ para eles pensarem o que podem fazer”.

ARTETERAPIA
Arteterapeuta pelo Instituto Sedes Sapientiae e mestre em gerontologia, Cristiane Pomeranz tem a intensão de propagar a gerontologia sob a ótica da arte. “A arteterapia como intervenção nas velhices proporciona ao velho a condição de manter-se ativo socialmente, garantindo o direito de continuar aprendendo, não apenas sobre si, e também ampliar seu conhecimento e sua cultura. Quando feita em grupos de idosos, a inserção social é capaz de tirar a pessoa do isolamento social proposto pelo mercado de trabalho e pela própria sociedade, que descarta quem não mais faz parte da produção capitalista. Envolto com a arte, o velho pode, finalmente, envolver-se com algo capaz de elevar sua potencialidade de vida, engrandecendo essa fase da existência.”

Pomeranz, autora de um dos capítulos do livro Arte-reabilitação – Um caminho inovador na área da arteterapia e que fez parte da comissão de programação da Virada da Maturidade, também coordena, desde 2009, um projeto chamado Faça Memórias, do Museu Brasileiro da Escultura (MuBE). A iniciativa nasceu a partir da ideia de tirar os idosos de um ambiente médico e levá-los para um ambiente cultural, e assim promover o protagonismo e a autonomia para ele. “O Faça Memórias utiliza as obras de arte expostas como estímulo cognitivo aos idosos com esquecimento, a maioria com Alzheimer. Além das visitas especialmente guiadas às exposições, as atividades em ateliê de arte garantem a eles uma maneira eficiente e não medicamentosa de tratar as demências. O projeto faz uso da arte e do afeto como intervenção. Isso faz com que esses idosos possam continuar existindo socialmente, ou seja, a doença sai do foco e o sujeito é enaltecido. Costumo dizer que o esquecimento social é infinitamente maior que o esquecimento patológico. A sociedade é cruel e as velhices não desejadas são tiradas do nosso convívio, afinal, não é fácil ter na nossa frente uma possibilidade de velhice que não é nada sedutora.”

Apesar dos diversos avanços em relação ao tema, enquanto o mito da eterna juventude for propagado – entre jovens e idosos, por meio de formas de representação que não condizem com a realidade do velho brasileiro –, continuaremos vivendo uma espécie de envelhecimento de autoengano de baixo engajamento social.