Evidentemente, são diversos os impactos do envelhecimento na vida dos indivíduos. Entre eles e diante do aumento global da expectativa de vida, a longevidade é um dos temas em destaque. Mais do que isso, ela desperta a necessidade de um novo olhar para o envelhecer e também para a juventude, ainda mais quando se analisam as alterações que os avanços tecnológicos provocam continuamente nas pessoas, na organização da sociedade e no mercado de trabalho. No bojo dessas mudanças, os indivíduos da atualidade com mais de 60 anos costumam não se enquadrar nos estereótipos fixados até então e vêm se posicionando cada vez mais dispostos a dar continuidade aos processos de aprendizagem. Seja se especializarem em algo que estudaram décadas atrás, seja tomarem ou agregarem conhecimento de temas novos.

“É um público que tem angústias por conta de expectativas da velhice com outras demandas”, enfatiza Ruth Lopes, psicóloga especialista em saúde coletiva e psicogerontologia e professora da PUC-SP. “São essas pessoas que nos chegam, que querem professores adequados para ensinar as novas tecnologias, que necessitam de aparelhos mais adequados para acessar, que desejam uma cidade que seja amigável, e uma série de coisas que facilitem suas vidas, inclusive que possam usufruir de uma nova aprendizagem. Eles percebem que as mudanças são grandes e por isso precisam de facilitadores de todas as ordens.”

Pensamento semelhante expressa Ligia Py, psicóloga e orientadora de aprendizagem no Curso de Envelhecimento e Saúde do Idoso, na Fundação Oswaldo Cruz. Para ela, o alongamento da vida é um fenômeno mundial que enseja novos modos de pensar a velhice. “Esse é um grande aprendizado. Os velhos estão aqui, agora. São muitos e mais. Há uma nova velhice, que nada tem a ver com os estereótipos há tempos usados para identificá-los. O envelhecimento ativo não é uma escolha, é uma exigência criada pelo cenário demográfico atual. É possível um tempo de velhice com velhos produtivos e saúde bem cuidada.”

Tal protagonismo desses indivíduos com mais de 60 anos nas sociedades atuais é, na opinião da antropóloga Mirian Goldenberg, fruto dos movimentos de contracultura da década de 1960. Ainda que os indivíduos não tenham militado ativamente à época, boa parte dessa geração foi inspirada pelos movimentos do período, a ponto de terem suas visões e comportamentos sobre a vida alterados. “A revolução do século passado foi a revolução das mulheres, mas a revolução desse século é a revolução dos velhos. As mulheres que fizeram a revolução comportamental dos anos 1960 são as mesmas que estão envelhecendo hoje. Mudou radicalmente a vida, as representações, as escolhas e as possibilidades, das mulheres e dos homens também. Mudou o tempo que eu posso viver. Mudou mais radicalmente a forma que posso viver”, salienta a autora de livros como Coroas e Corpo, envelhecimento e felicidade.

TRABALHO
Os jovens de hoje estão sujeitos a viver duas grandes revoluções no decorrer da vida profissional, como nos fala o médico e especialista em envelhecimento Alexandre Kalache: “A primeira é a revolução do envelhecimento e a longevidade, as pessoas vão viver 90, 100 anos; a segunda é a implicação dessa longevidade em uma vida que se quer muito mais ativa e plena, e sem conhecimentos isso não irá acontecer. Com a explosão dos conhecimentos, que são exponenciais, nós não estamos mais na terceira revolução industrial, estamos na quarta revolução industrial, que acontece com a interação das tecnologias, elas conversando entre si”.


Em um futuro próximo, alterações na legislação trabalhista e nas regras previdenciárias farão com que as pessoas trabalhem e aprendam por mais tempo. Kalache, que é presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil) e também do Aliança Global de ILCs, chama a atenção para esse cenário cujos contornos já são perceptíveis. “As pessoas deverão ter foco em aprender, mas aprender com discernimento e com capacidade de análise. Por volta de 60% das ocupações de quem hoje está na escola ainda não foram criadas. Não adianta treinar e educar essa meninada para fazer alguma coisa que não se sabe o que será. É necessário que as crianças e jovens de hoje aprendam a ter mais capacidade de análise para que elas possam se reinventar, para se manterem no mercado de trabalho.”

FINITUDE E CONHECIMENTO
Talvez o leitor nunca tenha pensado no próprio envelhecimento, na própria velhice. Mas, se a velhice já foi objeto de reflexão, é muito provável que abstrações como a “transitoriedade” ou a “finitude” já tenham sido pensadas. O envelhecimento impõe uma série de desafios, limitações, sofrimentos e perdas. Para Ligia Py, os cuidados ao fim da vida e o luto, a busca por valores essenciais ou “competência existencial” se ligam diretamente à percepção da finitude da existência. É essa busca que abre caminho para a noção de transitoriedade e finitude, e que facilita o enfrentamento do sofrimento pelas perdas e a criação de possibilidade de superações. “Somos todos aprendizes até o fim da vida. A aprendizagem é um processo contínuo de construção da nossa identidade, jamais concluída. Aprendemos com os outros, com a família, com os amigos, a escola, a rua, a mídia, a sociedade, a cultura e tanto mais. E aprendemos muito com as nossas experiências de sucesso e de fracasso. Nesse percurso, vamos nos construindo como pessoas, como seres de relação com os outros e podemos (ou não) cultivar uma competência existencial. Ou seja, uma competência para buscar valores essenciais para nós mesmos, para conviver com os demais, reconhecendo e quiçá valorizando as diferenças. E que estejamos abertos aos sonhos, às surpresas, empenhando-nos para nos recriar a cada vez que sucumbirmos às adversidades. Se desenvolvermos essa competência, na velhice pode haver uma possibilidade ampliada de enfrentar as dificuldades, que não são poucas.”

O amadurecimento por parte dos jovens para temas da velhice passa por uma maior atenção e compreensão das subjetividades ligadas ao envelhecimento. Assim, além de tornar as relações intergeracionais mais humanas, irão existir ganhos diversos. “O empenho em assegurar um aprendizado que leve em conta a finitude das pessoas e das coisas tende a inspirar respeito e valorização às pessoas nas suas diferenças, à vida como a aventura finita e única a que todos temos direito, à natureza, que é a nossa morada”, relata Py.

PSICOPEDAGOGIA
Ruth Lopes, professora da disciplina “a família e o idoso”, na graduação em psicologia da PUC-SP, afirma que o aprendizado e a proposta de reciclagem para a vida toda não têm termo – e reflete: “O que vejo clinicamente como psicóloga é que os meus pacientes que têm interesse por livros, filmes, artesanato, eles vão atrás do conhecimento, e isso é um modo de eles se atualizarem. É uma coisa de um novo aprendizado e de tentar ensinar os outros. O velho não é uma máquina parada, existem desejo e interesses. Esse desejo é aquilo que você não consegue domar. É possível trabalhar com idosos através do ensino, como viajar pelas palavras, pela memória. Hoje em dia, existem especialistas que trabalham com a memória dos idosos no sentido de livros autobiográficos, que são importantíssimos, no sentido de trazer da vivência significação”.

Marina Rosa, filósofa e estudante do curso de graduação em psicologia com ênfase em psicopedagogia (PUC-SP), orientanda de Ruth Lopes, abriu um campo para a compreensão dos efeitos da alfabetização de idosos a partir de seu estudo. Por sete meses, ela realizou acompanhamento psicopedagógico a uma senhora de 78 anos chamada Elzira, analfabeta. A alfabetização aconteceu após esse período, e o que se viu foi, a partir do conhecimento da leitura e da escrita, Elzira dar um novo sentido para a vida, com desdobramentos positivos para questões identitárias, familiares, sociais e afetivas. “O que mais atraiu a minha atenção é que não existe um programa de alfabetização para esse público. Temos o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e o material composto por apostilas e livros. Esse material é superinfantilizado, com figuras de patinhos, casinhas e florzinhas. Idoso não quer ser infantilizado, não quer pintar de amarelo onde lê a cor amarela. Simplesmente não temos material adequado”, reclama Rosa, que se pôs a trabalhar em um projeto de pesquisa de mestrado com o objetivo de desenvolver material didático e pedagógico para a alfabetização de idosos.

Além de estatísticas imprecisas sobre o universo de idosos não alfabetizados, Marina Rosa aponta uma falha importante no EJA. “O que vemos é que eles não ficam muito tempo no EJA. O professor que dá aula no EJA não tem formação para trabalhar com essa população. São professores da rede, que fizeram pedagogia, letras ou alguma licenciatura, mas no curso você não estuda nada de envelhecimento. É um trabalho totalmente diferente lidar com o idoso.” No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, realizada pelo IBGE, o índice de analfabetismo entre pessoas com 60 anos ou mais é de 22,3%. Um em cada cinco idosos no país não sabe ler nem escrever.