Pare por alguns minutinhos e relembre: quantas notícias, de três anos para cá, você leu sobre a crise no mercado de trabalho brasileiro? Foram tantas que até já perdemos a conta! E acredite: mesmo depois desse tempo todo sofrendo com todas as questões que assolam o nosso país, há quem ainda questione se realmente estamos passando por essa crise. Infelizmente ela é real, decorrente dos novos problemas políticos que o Brasil está a passar, e não deve dar uma trégua tão cedo.

Segundo Renato Trindade, gerente de operações da Page Personnel, empresa de recrutamento especializado, há uma crise quando a gente acompanha a queda do PIB. “Empregos, no país, acabam acompanhando muito a variação do PIB. Quando temos um PIB crescente, no país, temos um aumento de produção, um aumento de posições no mercado, e quando a gente tem uma queda no PIB, acaba tendo demissões e menos posições. O ano de 2016 teve uma retração de 3% no PIB, então perdemos muitos empregos.”

Sidnei Oliveira, consultor de carreira, expert em conflitos de gerações e escritor, autor de livros como Gerações – Encontros, desencontros e novas perspectivas, Conectados, mas muito distraídos e Profissões do futuro – Você está no jogo?, segue o raciocínio de Trindade, explicando ainda de que forma cada geração está lidando com esse momento: “A crise existe, nós estamos aí com milhões de pessoas desempregadas, estamos com uma instabilidade econômica, política e social. Então é uma crise! O que é mais visível quando a gente coloca os filtros das gerações é a percepção do que é crise para quem é mais veterano e para quem é mais novo. A primeira percepção da crise para os veteranos, hoje com 45 a 60 anos, é que em seu início eles estavam um pouco mais tranquilos, e os mais jovens, de 18 a 30 anos, estavam um pouco mais preocupados. E por quê? Por que o veterano já tinha vivido crises profundas na trajetória dele, então ele olhou e falou: ‘OK, é uma crise, mas não é a pior.’ E o jovem, que não viveu nada disso, estava achando que era o fim do mundo. À medida que a crise está se estendendo, e ela tem contornos diferentes do que foi a crise de 25 anos atrás, percebemos que o veterano está ficando um pouco mais apavorado, e o jovem, que deveria estar em pânico e cortando os pulsos, na verdade está indiferente”.

Para o especialista, de um lado, os veteranos estão mais aflitos, sabendo que as alternativas já diminuíram bastante para eles e, por isso, focam no “tenho de fazer alguma coisa”, que para eles significa trabalho. “Quando olho o jovem de hoje, ele foi criado de uma maneira diferente, com mais privilégios e menos cicatrizes, e está mais apático. Ele está vendo que está difícil, ele reclama que está difícil, ele esbraveja, se indigna, mas não faz nada de diferente, não faz como a geração anterior. Ele reclama, mas fala: ‘Se não dá, deixa eu curtir a vida.’ Ao invés de se mobilizar para gerar riqueza, ele se mobiliza para usufruir o que consegue, não necessariamente o que gostaria. Economicamente falando, é um desperdício de esforço, de capacidade produtiva”, complementa.

A REFORMA
Para Renato Bignami, auditor fiscal do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo, devemos investir em um modelo produtivo mais sustentável a longo prazo, com matrizes energéticas menos poluentes e mais econômicas, com trabalhadores melhor remunerados e mais bem treinados, o que melhorará a produtividade, assim como irá ampliar o diálogo social, antes mesmo de implementar qualquer tipo de reforma do mercado de trabalho. “Reformas trabalhistas sempre foram realizadas no curso da história. Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho conserva menos de 20% do seu texto originalmente publicado em 1943. Dessa forma, é falsa a afirmação de que a CLT constitui um texto antiquado. Na verdade, qualquer reforma a ser implementada deveria ter como princípio básico a proteção à força de trabalho do ser humano, que é a razão teleológica máxima a justificar o estabelecimento de normas elaboradas para regular as relações de trabalho.”

Já Renato Trindade acredita que esse período conturbado é o momento exato para fazer as mudanças na legislação. “A reforma trabalhista é necessária. Uma consolidação de leis trabalhistas tem de proteger o empregado e o empregador, mas ela não pode travar o mercado. O Brasil ainda é um país muito burocrático em relação a leis, a trabalho, à legislação de empresas para fazer negócio, então precisa de uma modernização o quanto antes para voltar a crescer. As leis estão ultrapassadas, a gente precisa olhar para o futuro, olhar para o mercado novo, a lei da terceirização pode ser muito importante. Muitas pessoas estão vendo essa mudança de uma forma negativa, mas ela pode abrir mais espaço no mercado de trabalho.”

Sidnei Oliveira concorda que nossa legislação trabalhista é muito antiga e engessada, não suportando quase nenhuma flexibilidade por parte das empresas. “Chegamos a um patamar tão difícil que a maioria das empresas está começando a trabalhar com PJ porque só leva na cabeça, e levando na cabeça não vai contratar. Só que isso começou a aumentar o desemprego. A reforma trabalhista não vai atualizar tudo, mas uma parte para permitir uma maior flexibilidade, pois o profissional de hoje quer equilibrar interesses pessoais com interesses profissionais. No Brasil, esse movimento de flexibilidade e equilíbrio de interesses entre empregado e empregador ainda leva um tempinho, mas é uma corrente que não tem como mudar mais, vai alterar. Nós estamos vendo que isso vai alterar, inclusive, a forma de gestão de pessoas dentro da empresa. As pessoas não serão mais geridas só por conta de cargos e salários, e sim por projetos e relevância de projetos.”

OPORTUNIDADES?/
O mercado em crise pode acabar gerando algumas oportunidades e tendências, e esse novo pensamento vem sendo adotado por muitos empregadores. “As empresas perdem cadeiras para contratar profissionais, mas os projetos continuam. Isso abre muito espaço para recrutamento de terceiros e temporários, algo que cresceu bastante nesse momento. É melhor você entrar em uma posição temporária de três ou seis meses do que ficar esse período sem trabalhar. Uma vaga temporária não tem de ser vista como um tapa-buraco”, explica Renato Trindade.

Outra questão bem recorrente é o surgimento muito rápido de novas profissões, em contrapartida com outras que se tornam mais obsoletas e dispensáveis. Sidnei Oliveira salienta que a profissão catalogada e certificada, assim como cargos dentro de uma empresa, tendem a se restringir cada vez mais. “Duas coisas acontecem no futuro: a primeira é o profissional de categoria, que rapidamente está dando lugar a robôs. Não estou dizendo que substitui completamente, mas grande parte de suas atividades. O que vai acontecer com as profissões catalogadas é que elas vão ter uma relevância diferente e menor no futuro, porque robôs vão resolver essa questão. O outro lado são os cargos. Funções como coordenador, supervisor, operador de máquina, cozinheiro, etc., diminuem à medida que a empresa estabelece relações mais flexíveis com o empregado. O que acaba acontecendo, e isso para mim já é a profissão do futuro, é o freelancer. Ou seja, eu tenho um monte de qualificação e certificação que fui fazendo por interesse pessoal e trabalho onde houver demanda. A rigor, a relação da pessoa com o trabalho no futuro está muito mais parecida com isso, muito mais focada no projeto do que na empresa, em um cargo ou na qualificação.”

Ter muitos trabalhos, e não necessariamente um emprego, é algo que já faz parte da vida de muitas pessoas e empresas. Para Antonia Bensusan, da área de marketing e comunicação do Freelancer.com, um dos maiores sites de freelancers e crowdsourcing do mundo, com 23,5 milhões de usuários registrados, é necessário “romper com a ideia de que os trabalhadores independentes atuam somente em projetos simples e a curto prazo e passar a compreender que muitos decidem trabalhar de maneira contínua com empregadores de todas as partes do mundo”.

Todavia, como se sabe, há muitos prós e contras tanto para o modelo freelancer quanto para a CLT. O primeiro ganha por hora trabalhada (o que é positivo e negativo), é mais independente em relação à rotina, pode escolher apenas os trabalhos que gosta e há a possibilidade de ganhar mais dinheiro. Entretanto, estar sempre em busca de trabalho e a incerteza de se realmente participará de algum projeto pesam contra. “O profissional deve se planejar para o futuro e ter um fundo de emergência, especialmente no caso de férias ou nos espaços entre um projeto e outro. Um trabalhador independente está constantemente em busca de trabalho. Antes de terminar um projeto, você já deve garantir o próximo, e isso pode ser muito estressante. Tenha em mente que o trabalho pode ser cortado a qualquer momento”, enfatiza Antonia.

Salário fixo, benefícios e jornada integral com fins de semana livres estão na aba positiva do regime da CLT. Já a falta de flexibilidade, a impossibilidade de escolher as diretrizes que gostaria de seguir e uma liberdade possivelmente reduzida são os pontos negativos. E, mesmo sendo considerada um modelo tradicional e já ultrapassado, ela continua sendo a mais escolhida e cobiçada pelos profissionais. “É porque a nossa cultura protege o empregado na CLT, que costuma pensar o seguinte: ‘Eu trabalho, estou garantido por um contrato de trabalho, se a empresa me mandar embora, ela vai pagar uma multa.’ Isso aí é ruim para todo mundo, inclusive para o empregado. Passa uma ideia de segurança, mas o transforma em um refém e em um dependente do contrato. Muitas vezes ele vai trabalhar infeliz e com medo porque sabe que precisa do emprego, articulando mais a sua manutenção do que suas tarefas”, aponta Antonia. “Já um freelancer, sabendo quando vai vencer o contrato, faz tudo para entregar um ótimo trabalho, para ser recontratado no final do projeto, ou se mantém em estado de alerta para outras oportunidades. Ele sabe que a coisa que o garante é a sua competência.”

Sempre pensando no bem-estar do trabalhador, Renato Bignami aponta como deveria ser o futuro do mercado de trabalho brasileiro. “Não se sabe ao certo os caminhos que o mundo do trabalho tomará, no entanto, é certo que há uma tendência geral no sentido de piorar a qualidade dos postos de trabalho oferecidos, a exemplo da uberização que atualmente desponta. É certo que qualquer nova forma deve seguir os preceitos do trabalho decente, conforme apresentados pela Organização Internacional do Trabalho, no sentido de que seja digno, suficientemente bem remunerado, saudável, seguro e exercido em condições adequadas.”

E quando bate aquela dúvida sobre carreira, emprego e modelo a ser seguido, atrelada à inquietação dos tempos modernos, o que fazer em épocas turbulentas como as que estamos vivendo? “Conheça a origem dessa inquietação e invista em autoconhecimento. Converse com pessoas que já avançaram na carreira que você escolheu, descubra se a trajetória delas é inspiradora e instigante para você ou se te desanima e causa incômodo, sensação de sufoco. Dependendo do caso, é aconselhável um processo de coaching com um profissional bem capacitado”, sugere Marcele Folgati, consultora de imagem e coaching. “Outra coisa legal de fazer nesse momento é prestar atenção nas suas paixões: o que você realmente sempre gostou de fazer? Faça uma pesquisa com as pessoas em quem você mais confia e investigue quais as habilidades mais fortes que elas percebem em você.”