Nada mais verdadeiro do que afirmar, sem hesitação, que o binômio de uma solidão urbana extrema acoplada aos traumas de uma guerra como a do Vietnã é capaz de gerar uma legião de psicopatas. Viu-se no cinema, em incontáveis obras, que o chamado período de adaptação ao voltar da guerra tornava-se uma condição duradoura, quase que permanente, em que a memória do veterano brotava em jorros e a agressividade, não mais latente, atingia todos a sua volta. O motorista de taxi Travis Bickle, um dos personagens eternizados pelo diretor norte-americano Martin Scorsese, já tem em seus 26 anos de existência um arsenal de radicalismos e de misantropia como se tivesse vivido algumas décadas a mais.

Com roteiro de Paul Schrader, em Taxi Driver – que volta aos cinemas em versão restaurada em 4K –, Scorcese situa Travis no centro absoluto da ação e da reação. Insone, sem maiores objetivos, espectador assíduo de filmes pornográficos, ele quer manter-se ocupado, adapta-se a qualquer oferta de trabalho e termina por ser motorista de táxi na insalubre noite de certas regiões nova-iorquinas. Seus passageiros retratam a cidade infecta que ele gostaria de ver varrida por uma chuva que apagaria sua imundície humana, revelando um moralismo justiceiro exacerbado de contornos trágicos. Atraído por uma bela Betsy (Cybill Shepherd), cabo eleitoral de um candidato ao Senado, Travis e sua falta de traquejo e de experiência a levam a um cinema pornô, o que elimina qualquer possibilidade de um envolvimento amoroso, um gatilho para sua frustração crescente. Mas é com a aparição brusca de Iris, uma prostituta de 12 anos – a irretocável Jodie Foster –, que Travis vê despertar em si a raiva incontrolável contra o mundo que ele tem de limpar e no qual quer se ver livre de cafetões como Sport (Harvey Keitel, em grande composição).

Robert de Niro, soberbo como Travis, falando com si mesmo frente ao espelho, perguntando “você está falando comigo?”, fruto de uma improvisação, tornou-se uma síntese da solidão que se transformaria em fúria. A câmera de Scorsese possui a sensualidade e a ousadia de colocar no centro da tela um retrovisor, o chão molhado, somente a chuva, em movimentos que, com a música de Bernard Herrmann – o compositor favorito de Alfred Hitchcock –, já vislumbravam que Taxi Driver se tornaria nada menos que um clássico.