Em uma era conturbada como a que estamos a viver, são muitos os projetos culturais que tentam jogar luz onde a claridade é escassa. O que o cantor Ale Edelstein, de 43 anos, fez com seu recém-lançado álbum Yedid Nefesh (Amigo da alma, em hebraico) é isso, mas vai além. Brasileiro, judeu, formado em publicidade, embora nunca tenha exercido a profissão, ator, professor de teatro para crianças e professor de bar-mitzvá, ele fez um disco cujo objetivo principal é conectar as pessoas com elas próprias, com os sentimentos verdadeiros.

Yedid Nefesh é um trabalho de música litúrgica judaica. Os textos musicados – a maioria deles são da liturgia do shabat – datam de períodos muito distantes, indo de salmos atribuídos ao Rei Davi (1003 a.C.-971 a.C.) a outros escritos e poemas feitos na época da Idade Média da era cristã, assim como alguns dos séculos 18 e 19. Como intérprete, o que Edelstein fez foi buscar e jogar sua voz em composições de músicos – a maioria das últimas cinco décadas – que haviam dado uma roupagem contemporânea a textos tão antigos e marcantes dentro da religião judaica. “Embora o disco não queira se intitular moderno, chama a atenção essa questão da modernização. Um dos pilares da história toda é mostrar que, apesar da tensão que pode existir entre a ancestralidade do texto e a melodia, deve haver um contraponto moderno com o século 21. A religião judaica e todas as religiões têm essa vocação de mudar, senão elas não existiriam há tantos séculos. É pouco inteligente você achar que a religião é só de um jeito e pronto”, reforça ele, que tem aura pop na Congregação Israelita Paulista (CIP), sendo muito requisitado para ser o chazan (cantor) de casamentos e bar-mitzvá.

Foi a própria música litúrgica que promoveu a reconexão de Edelstein com a religião, uma vez que vinha de uma família pouco observante das diretrizes judaicas. Quando adolescente, queria ser jogador de futebol e fazer teatro. Depois, aos poucos, foi se abrindo para novos planos e, ao participar do coral da CIP, sentiu a música o envolver de tal maneira que não teria mais como fugir. A partir daí, tomou uma série de decisões importantes. A primeira delas, aos 28 anos, foi se mudar para Israel para estudar tanto o hebraico quanto a música litúrgica. As demais, já no Brasil, culminaram em projetos como esse disco, recém-lançado. “Sempre bati muito o pé para não mudar meu jeito de ser por algum molde. Sou assim e me respeito. E quando comecei a mergulhar nesses textos e nas melodias que até então os acompanhavam, passei a pensar em como poderia renovar isso. E é aí que está o grande desafio, trazendo toda a carga da tradição, do respeito, da religião, e respeitando a conexão afetiva que a música litúrgica tem. Como mudar respeitando a outra pessoa, cuja melodia que ela conhecia era a que o avô dela cantava? O disco é para mostrar que se pode mudar. Foi um desafio maravilhoso.”

Outro objetivo do cantor foi manter com o álbum – no qual há ainda participação especial do instrumentista Jaques Morelenbaum – o seu caráter como educador. “Essa foi minha escolha artístico-pedagógico-cultural-religiosa para este meu trabalho. São os pilares e propósitos que me levaram a fazer o disco. Outro pilar, talvez paralelo a esses, é justamente criar conexão espiritual. Fazer com que a música possa estar fora do ambiente sinagogal, que a pessoa possa levá-la para onde quiser. É o que me motiva.”

Engana-se quem, tendo outra crença ou nenhuma, acredita que o trabalho de Ale Edelstein não irá lhe dizer nada. Claro, as 11 faixas do disco estão em hebraico, mas isso não impossibilita que as melodias toquem de uma maneira bem profunda quem as ouve. Além do mais, a roupagem do álbum Yedid Nefesh é universal, com uma mistura de ritmos em que muito facilmente se encontram referências da música brasileira, oriental e até dos Bálcãs. É música para a alma cantada com alma.