O cinema nos parece dizer em permanência que não há países distantes ou culturas longínquas. Que não há história que não possa ser contada. O cinema torna palpável em suas imagens o enquadramento dos grandes questionamentos humanos. Assim, o trabalho contundente do filipino Lav Diaz torna possível a preservação de valores há muito ameaçados pelos desvios de caráter, ganância e miséria. E pela luta por uma sobrevivência digna de um povo, ainda que massacrado pelo medo e pelas condições materiais de existência. Com temas que vão desde as consequências da ditadura de Ferdinand Marcos (de 1965 a 1986) ao perdão e à redenção, Lav Diaz traz à tona a essência humana, intacta a despeito de dores e abusos de toda sorte. E constrói intersecções temporais em que passado e presente podem ser digressões que o fazem voltar ao mote de sua obra, da libertação de seu povo do jugo colonial à generosidade que se sobrepõe a planos de vingança pessoal.

Como em Canção para um doloroso mistério, Do que vem antes e Norte, o fim da história, Lav Diaz se permite contar suas sagas dure o que durar. Assim, A mulher que se foi (Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza de 2016) traz em seus 228 minutos planos de pungente beleza intercalados com o retrato da absoluta miséria material e humana a que se pode reduzir um povo asfixiado pelo abismo que separa as classes sociais.

Baseado no conto Deus vê a verdade, mas espera, de Liev Tolstói, o filme tece a trajetória de Horacia Somorostro, dedicada professora, mãe de dois filhos, encarcerada durante 30 anos por um crime que não cometeu. Libertada após a confissão da verdadeira culpada, a agora viúva sai em busca de vingança contra o responsável pela crueldade. Em meio a ondas de sequestros nas Filipinas, triplicadas no final dos anos 1990, Horacia não sucumbe ao medo, se disfarça de catadora de lixo e vai em busca dos filhos, um deles em incógnito paradeiro. O reencontro entre mãe e filha rende uma cena em que Lav Diaz reforça o que ele chama de fé no cinema, tamanha força e singeleza, em simultânea manifestação de amor e compreensão, no sentido mais abrangente do termo. Em planos estáticos e respeitando o tempo interior de cada personagem, o cineasta traz os mesmos dotados de infinita generosidade, tal Horacia e Hollanda, sofrida transexual, vítima tanto de violências externas quanto de seus sentimentos de culpa e vergonha, capaz de atos de grandiosa renúncia.

A poesia que Diaz extrai de cenas como a de Horacia e Hollanda cantandoAamanheceu, anoiteceu (Sunrise, Sunset), do musical Um violinista no telhado, e Somewhere, de Amor, sublime amor (West Side Story), sintetiza uma de suas frases lapidares: “Não perdemos o que fomos”. E se Horacia em seus escritos pergunta quantos degraus há até o céu, é dentro de cada espectador que se manifesta a resposta. Em seu sublime preto e branco e tal seu conterrâneo brillante mendoza, Diaz documenta seu país sem floreios. A cena final traz, como toda a sua obra, uma irreversível vivência cinematográfica.