Amanda de Carvalho é uma menina de 12 anos que adora brincar de boneca. A diferença entre ela e outras tantas crianças que também adoram passar as tardes assim é que ela resolveu filmar suas brincadeiras e publicar no YouTube. Hoje, mais de 380 mil pessoas acompanham os vídeos postados no canal Vida de Amy. Nos vídeos, Amanda fala de seus brinquedos preferidos, ensina a fazer massinhas diferentes e outras experiências; faz desafios, fala sobre a escola e sobre coisas de sua rotina, como os cuidados com suas gatinhas de estimação. Desde que o canal foi criado, seus vídeos já receberam mais de 58,6 milhões de visualizações nos últimos três anos. “Para Amanda, gravar vídeos é uma brincadeira. Ela faz o que quer, quando tem vontade”, conta Sheila Carvalho, mãe da youtuber mirim, que diz que o grande sonho da filha é ser atriz de televisão – mas seu maior ídolo e grande inspiração é a youtuber Kéfera Buchmann.

Não é à toa que, hoje, os grandes ídolos das crianças são crias do YouTube. A pesquisa Os novos influenciadores – Quem brilha na tela dos jovens brasileiros, feita pela Provokers para o Google e o Meio & Mensagem, revelou que, entre as dez celebridades brasileiras mais influentes, cinco são youtubers: Whindersson Nunes (dono do maior canal do Brasil na plataforma); Leon e Nilce, do Coisa de Nerd; Luba; Kéfera; e Júlio Cocielo. E é fácil entender por que os mais jovens se identificam tanto com essas figuras: elas são gente como a gente. São pessoas “comuns” que decidiram mostrar detalhes de suas vidas na internet – e ganham dinheiro com isso, o que faz com que se tornem não só ídolos como também sonho de futuro.

O próprio YouTube percebeu que abriga os ídolos que inspiram essa nova geração e, em 2016, lançou uma campanha offline com exemplos de criadores que surgiram e estouraram na plataforma e acabaram levando essa fama para fora também. Os escolhidos foram Jout Jout, Ana Maria Brogui e Whindersson Nunes. O slogan da campanha não poderia ser mais preciso: “Novos tempos, novos ídolos”.

MILLENNIALS
Não se pode generalizar, mas a sociedade contemporânea é dividida em diferentes gerações, tanto na questão comportamental quanto na maneira que lida com a comunicação. Aqueles que hoje têm mais de 60 anos são os chamados baby boomers, nascidos após a Segunda Guerra Mundial e com certa resistência aos meios digitais. São os avôs e avós que fazem os netos rir quando não conseguem fazer uma pesquisa no Google ou mandar uma mensagem no WhatsApp. Já a geração X, que tem entre 40 e 50 anos, é feita de imigrantes digitais. São pessoas que viveram boa parte da vida sem internet. Cresceram pesquisando em livros e escrevendo os trabalhos à mão ou na máquina de escrever, mas conseguiram se adaptar às tecnologias atuais.

Em seguida, vieram os bebês da geração Y, que hoje têm entre 20 e 30 anos. Os famosos e temidos “millennials”, que estão redefinindo o mercado de trabalho e construindo novas formas de viver, descobriram a internet na infância ou na adolescência. Quando pequenos, a internet ainda não estava em todos os lugares e os celulares serviam apenas para ligações.

A geração Z, nativa digital, é quem hoje domina a internet. São crianças e adolescentes de até 18 anos que cresceram enquanto a rede mundial de computadores se expandia. Eles são mais conectados digitalmente que qualquer outra geração e usam seus smartphones como se fossem uma extensão do próprio corpo. Tudo que fazem registram e compartilham via aplicativos da moda – e são eles que determinam o que faz sucesso e o que fracassa. Pode-se dizer que eles estão crescendo admirando celebridades que nunca sequer apareceram na televisão – mais que isso, eles sonham em conquistar a fama por meio da internet.

Segundo a psicóloga Rita de Cássia Calegari, umas das principais características das gerações Y e Z é a avidez por novidades e a facilidade com que se conectam e desconectam (de pessoas, ídolos e também de novas tecnologias). A geração Z, principalmente, não se apega nem aos seus aplicativos favoritos – basta surgir um novo para todos debandarem do que era até poucas semanas antes o app sensação.

“Embora as crianças hoje nasçam em um mundo hiperconectado, elas não vêm com um interesse nato pelo mundo digital. Ela precisa de um intérprete, alguém que a coloque em contato com toda essa tecnologia. E, como são apresentadas a isso tão novas, desenvolvem a habilidade para lidar com muito mais facilidade”, afirma Calegari.

GERAÇÃO YOUTUBER
Como nascem vivendo nesse mundo digital com a mesma intensidade e naturalidade com que vivem a vida real, as crianças querem também se expressar no mundo virtual – e o YouTube é uma das plataformas que proporcionam isso a elas. Além disso, hoje é muito mais fácil produzir conteúdo e colocar online. Basta um smartphone com acesso à internet. Mesmo os canais grandes e conhecidos são caseiros, o que faz essa realidade muito tangível para as crianças. Antes, a única mídia que existia era a televisão, sobretudo os canais abertos. Hoje, você pode não apenas ver o que quiser, na hora que quiser, como pode escolher em qual dispositivo (televisão, smartphone, tablet) vai assistir e ainda produzir o seu próprio conteúdo e disponibilizar para que outras pessoas o assistam.

É importante destacar, no entanto, que isso não é uma mudança das crianças de hoje, elas não estão nascendo diferentes das que nasceram há 30 anos. Elas apenas refletem nossa mudança na relação com a tecnologia e a comunicação. “Nós da geração X e Y filmamos nossos filhos fazendo gracinhas e compartilhamos com nossa rede de contatos via WhatsApp, Facebook e Instagram. Conforme eles vão crescendo, passam a fazer isso por conta própria”, diz Rita Calegari.

Pode ser que o que motive uma criança a criar um canal no YouTube seja o desejo de ficar famosa, mas não se resume a apenas isso. “Há também uma vontade por parte delas de se colocar no mundo, de dar sua opinião, de ter alguma importância dentro da sociedade e também de se sentir aceita socialmente”, analisa Bia Rosenberg, que escreveu e dirigiu, por mais de 20 anos, programas premiados da TV Cultura como Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó.


Segundo a política do YouTube, a idade mínima para ter uma conta na plataforma é de 13 anos. Mas basta uma pesquisa rápida para perceber que há muitos youtubers mirins mais novos que isso. De acordo com Cauã Taborda, gerente de relações públicas do YouTube Brasil, o site entende que essas crianças estão usando a conta dos pais ou responsáveis para criarem seus canais e, portanto, devem ser supervisionadas por eles. “Vemos os canais estrelados por crianças como uma forma de brincadeira, parte do aprendizado e desenvolvimento dela, não como um trabalho, como é para os adultos”, afirma Taborda. Segundo ele, há uma série de habilidades que podem ser desenvolvidas pelos pequenos ao produzir vídeos, como a criatividade e a timidez.

Em outros tempos, se uma criança tinha problemas com timidez ou dificuldade de fazer amigos, os pais a colocavam em uma escola de teatro ou para fazer aulas de esporte coletivo. Hoje, essa criança encontra um certo acolhimento fazendo vídeos para o YouTube. “Embora seja uma boa solução para ajudar no desenvolvimento dela, é uma atividade muito individual, não há o convívio direto com outras crianças. Além disso, um vídeo colocado na internet está sujeito às reações de qualquer pessoa que encontre com ele em sua navegação – e nem sempre as respostas que se tem são positivas, educadas e encorajadoras para uma criança lidar”, analisa Bia Rosenberg.

A pequena Amanda de Carvalho, do canal Vida de Amy, teve de lidar com comentários maldosos logo que começou a postar vídeos. “Fui mostrando os comentários para ela aos poucos, conforme ela foi crescendo. Claro que ficou chateada no início, mas hoje já aprendeu a separar as críticas que deve levar em consideração e os comentários que só querem atingi-la”, diz Sheila Carvalho. Para ajudar a filha, ela decidiu levá-la para fazer acompanhamento com um psicólogo. “Levei para que ela fique preparada tanto para lidar com os comentários maldosos como também para lidar com uma possível fama ou frustração”, explica.

TRABALHO OU BRINCADEIRA?
Dante Pedrosa Itocazo é um menino de 8 anos e tem uma rotina parecida com a de várias crianças de sua idade: acorda, faz suas tarefas domésticas e depois vai assistir a vídeos no YouTube. Seus ídolos são todos da plataforma e ele também quer ser youtuber. “Ele fala sobre ter seguidores, mas de um jeito meio fantasioso. Diz que quer receber a placa de 1 milhão de inscritos, como eu, quando criança, falava que queria ser bombeira, professora e atriz”, conta sua mãe, Carolina Pedrosa. Em 2016, por conta de uma tarefa escolar, o garoto precisou fazer uma pesquisa sobre prisões e parte do trabalho era produzir vídeos sobre o tema. Ele precisou, então, gravar, editar e publicar. “Foi aí que percebeu que ser youtuber é um compromisso que compete com a vontade dele de brincar, assistir a desenhos, etc. Depois disso, passou a falar que quer ser youtuber só por diversão”, conta a mãe.

Como trata-se de um fenômeno relativamente recente, ainda não está claro que impacto esse tipo de exposição pode ter na criança que decide se tornar youtuber. Com certeza, terá algum nos adultos que sairão dessa geração. Afinal, o tempo que os pequenos dedicam à produção de vídeos antes era destinado a outros tipos de atividades que desenvolviam habilidades diferentes.

A psicóloga Rita Calegari não vê problemas se uma criança quer assistir ou gravar vídeos para o YouTube. No entanto, é importante que os pais tenham em mente que ela está em formação e precisa receber múltiplos estímulos, isto é, precisa fazer atividades físicas, brincar com outras crianças, passar tempo com a família, estudar, ler, desenhar, etc. “É importante também que os pais aproveitem esse interesse da criança para trabalhar outras coisas, como o sentimento de frustração quando o sucesso não vem e as críticas que podem vir”, afirma Calegari. Evidentemente, as crianças já lidavam com frustrações e críticas no dia a dia muito antes de a internet existir, mas no mundo virtual tudo acaba tomando outras proporções.
Esse contato mais intenso com o mundo virtual levanta ainda outras discussões que os pais podem e devem ter com os filhos. É preciso, por exemplo, explicar que muito do que está exposto ali na internet não é real, que ninguém tem a vida perfeita que aparenta ter nas redes sociais e que a vida de verdade acontece fora das telas.