É fenômeno recorrente que pais libertários, revolucionários e irreverentes tenham como contraponto filhos ditos “certinhos”, pouco afeitos a questionamentos e transformações. É comum também ver pais que tentam detectar o ponto de ruptura ou, com tranquilidade, observam seus filhos escolherem caminhos que se adequam a seus desejos, na direção oposta à da geração anterior. Assim, quando em Toni Erdmann, da alemã Maren Ade, a personagem Ines vê chegar seu irreverente e amoroso pai para visitá-la, sem aviso prévio, o desconforto se instala e seu milimétrico cotidiano sai dos parâmetros da disciplina que se impôs. Winfried terá de dedicar seus dias a seguir os passos da filha, antes que ela se perca nas garras da frieza e do endurecimento.

Ambiciosa e tensa, Ines é escalada para uma importante reunião em Bucareste, onde vive, e só pensa em impressionar seus colegas de trabalho e possíveis parceiros comerciais na Romênia. Sua atitude, por vezes arrogante, estarrece o humano Winfried. O tempo de Ines se volta para o trabalho, a redação de seu projeto, e em como se livrar da presença do pai, autobatizado de Toni Erdmann, em constantes criações de personagens. Seu embaraço é reflexo da falta de comunicação e de empatia que ronda a relação com o pai, separado de sua mãe, e, sobretudo, da inadequação de um ser tão espontâneo e puro em uma sociedade movida a lucro e conquista agressiva dos mercados.

O tom farsesco do filme não encobre a angústia subjacente do mundo de Ines, fragilizada de modo irreversível quando seu pai lhe pergunta: “Você é feliz?”. A tensa, preocupada e rígida criatura sente-se abalada em suas frágeis certezas e, aos sobressaltos, a conquista do amor filial toma rumos mais delicados. Há momentos memoráveis, como quando Toni se apresenta como embaixador da Alemanha, sempre às voltas com dentaduras e perucas, conquistando a atenção de todos a despeito da filha, ou quando Ines canta ao som do piano do pai e, em especial, quando não consegue fechar o vestido e assume a nudez.

A solidão e o desespero que permeiam as vidas voltadas apenas para o sucesso profissional, em detrimento de se viver os anos de juventude, não são tema inédito, mas a abordagem madura, cativante, sincera, humorada de Maren Ade faz de Toni Erdmann um daqueles filmes que permanecem por dias a fio no pensamento do espectador. Pode ser triste, sem ser amargo. De uma sensibilidade extrema. O elenco conta com um grande nome do teatro alemão, Peter Simonischek, e Sandra Hüller, ambos em irretocáveis e sedutoras interpretações. Detentor de incontáveis prêmios, é obra para ver e rever.