Um turista desavisado na cidade alta de Zagreb, a capital da Croácia, logo nota algo destoante ao verificar, entre as edificações centenárias e as ruazinhas estreitas típicas do período medieval, uma bandeira púrpura com uma inscrição em inglês: Museum of Broken Relationships. Daquele ponto em diante, o visitante pode seguir viagem mais desnorteado do que antes, ou mais bem orientado do que nunca. O Museu dos Relacionamentos Rompidos expõe objetos associados ao fim das mais variadas relações românticas, enviados por pessoas de todo o mundo, acompanhados das histórias contadas pelos respectivos remetentes, mantidos sempre no anonimato.

As narrativas têm cargas dramáticas variadas. Está à mostra, por exemplo, uma torradeira que um indivíduo dos Estados Unidos levou consigo, após se separar e mudar de Estado, apenas para deixar o ex-cônjuge sem conseguir esquentar o pão. E também está lá um machado comprado por uma mulher alemã que, após ser traída pela parceira e ver esta sair de casa para viajar com a nova amada, decidiu reduzir todos os móveis da ex a lascas de madeira. “Comprei este machado para desestressar e causar nela ao menos um mínimo de sentimento de perda, que ela obviamente não havia sentido ao rompermos. Em cada um dos 14 dias das férias dela, eu destroçava um móvel. O machado foi promovido a instrumento terapêutico”, informa o relato.

A ideia de “terapia” está também por trás da, digamos, função social do museu, como explica seu cofundador, o artista plástico zagrebino Dražen Grubišic. Ele e a produtora de filmes Olinka Vištica, nascida em Split, maior cidade da costa dálmata, decidiram criar a galeria ao terminarem um namoro de quatro anos em 2003, olharem para os objetos que teriam de devolver um ao outro e constatarem, em tom jocoso, que “a gente deveria fazer um museu”. A piada se tornou realidade em 2010. Grubišic afirma: “Para aqueles que doam objetos, é uma oportunidade para um novo capítulo na vida deles, a possibilidade de continuarem a viver e amar sem sofrer e sem ter de lembrar dos rompimentos todo dia. Podem dividir suas vivências com o mundo e, dessa forma, transformarem suas histórias pessoais em algo mais. A experiência individual se torna coletiva. Saber que alguém compartilha ou compartilhou da sua dor dá coragem e leva a um passo adiante na vida. Por isso é ‘terapia’”.


Paralelamente às atividades do museu, há também exposições itinerantes, que levam tanto alguns itens do acervo fixo – que já ultrapassa os 2.500 objetos – quanto aqueles doados por moradores do local em que a mostra vai acontecer. Neste mês de fevereiro, por exemplo, termina a exibição em Heidelberg, no interior da Alemanha, e começa outra em Istambul, na Turquia. Os organizadores têm interesse em trazer a iniciativa a alguma grande cidade brasileira, mas ainda dependem de possíveis parceiros. Estes, às vezes, podem surgir completamente por acaso. Em 2015, John B. Quinn passeava de férias com a família quando deparou com a galeria, instalada a poucos passos da Praça de São Marcos, sede dos três poderes croatas, e se encantou com a proposta do local. Ocorre que Quinn é sócio-fundador de uma firma de advocacia internacional, com escritórios em dezenas de países entre América, Europa, Ásia e Oceania. Desde 2011, a Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan é a empresa do ramo com segundo maior lucro por associado em todo o planeta. Quinn rapidamente se encarregou de licenciar o nome da galeria e lançou, no ano passado, a versão estadunidense do Museu dos Relacionamentos Rompidos em Los Angeles, “uma cidade dos sonhos – muitos realizados, muitos não realizados”, informam os comunicados à imprensa enviados pela equipe do estabelecimento. Em uma entrevista lacônica por e-mail, o advogado declara que financia toda a empreitada pessoalmente e que acredita que “os propósitos são os mesmos” tanto na “matriz” croata quanto na “filial” norte-americana. Na Califórnia, predominam relatos da América do Norte que, a julgar pela seleção divulgada pela própria casa, podem ser considerados mais amenos.

Um deles, sobre um tubo de pasta de dente já esvaziado, vem de uma pessoa que se encantava com a forma como o namorado deixava as escovas preparadas para a higiene bucal antes de dormirem, a ponto de continuar comprando essa marca mesmo depois do fim do caso. Outro conta que comprou um pote de picles para o “crush”, mas não teve a oportunidade de entregá-lo, já que o sujeito terminou tudo antes. Uma terceira história fala de um pregador de roupa recebido de presente do homem amado, “provavelmente uma das coisas mais gentis que ele já fez; na maior parte do tempo, ele era manipulador, desonesto e desrespeitoso”.

Em contraste, na galeria original, na Croácia, há um sapato preto de salto agulha acompanhado da seguinte narrativa de Amsterdã: “Era 1959, eu tinha 10 anos, o T. tinha 11. Estávamos muito apaixonados. Quando contei a minha mãe que a gente tinha ido nadar pelado no canal, ela acabou com minhas orelhas e me obrigou a passar o resto das férias com uma tia. Quando eu tinha 15 anos, passamos por mais alguns momentos maravilhosos juntos, até ele se mudar para a Alemanha com os pais. [...] Era 1998 e eu tinha acabado de parar de trabalhar com prostituição. Queria escrever um livro sobre sadomasoquismo e fui trabalhar para uma dominatrix por algumas semanas. No segundo dia, a dominatrix me permitiu humilhar e chicotear um cliente. Primeiro o obriguei a lamber meu salto agulha. Como ele não era submisso o bastante e tinha mania de se referir a mim como ‘senhora’ (em vez de ‘minha respeitada senhora’), fiquei com vontade de chicoteá-lo com mais força. Foi quando o reconheci: ‘T., é você?’. Ele ficou surpreso e se levantou. Num instante, voltamos a 1966. Ele me contou que tinha o desejo de ser submisso porque o pai o havia espancado com frequência quando criança. T. agora estava casado pela segunda vez e queria que durasse. Era melhor a gente nunca mais se ver. Depois de umas poucas horas, nos despedimos e ele me pediu: ‘Posso ficar com um dos seus sapatos de salto agulha de recordação?’. Quando ele saiu e fechou a porta, senti que o sapato que ficou no meu pé não me pertencia mais”.


Grubišic (pronuncia-se “grubichíti”), o cocriador do museu, diz ver mais universalidade do que particularidades regionais no seu vasto arquivo. “As emoções básicas que emanam de uma história são sempre as mesmas, independentemente de religião, raça, país”, avalia. “As diferenças aparecem em eventos que estão além do nosso controle. Se um país está passando por uma determinada circunstância, então isso se reflete na história de alguém.” No verão passado, a galeria, em uma parceria com a Cruz Vermelha da Croácia, fez uma exposição só com narrativas de refugiados, o que, segundo o organizador, gerou debates bastante polarizados a respeito da atual situação da Europa de modo geral.

“Mas alguns objetos continuam se repetindo, como você deve imaginar”, continua. “Vestidos de noiva, alianças, álbuns de casamentos. Essas coisas são as primeiras a ficarem obsoletas e indesejadas, uma vez que representam algo que não se quer por perto quando uma união se parte em pedaços.” O fundador do museu parafraseia a célebre primeira frase de Anna Kariênina, de Liev Tolstói, para prosseguir: “Todos os casais felizes se parecem, os infelizes são infelizes a sua maneira. Por isso, por mais que o objeto seja o mesmo, as histórias variam muito. Às vezes terminam com arrependimento, às vezes gratas por tudo ter se acabado”.



Da pacata Zagreb, de menos de 800 mil habitantes, para a midiática L.A., com a indústria hollywoodiana e quase 4 milhões de moradores, estaria o museu tentando se aproximar do universo do entretenimento, com seus reality shows e a busca constante por holofotes? Grubišic discorda completamente. “Meu problema com os reality shows de hoje é que são muito sem sentido e têm como objetivo tornar alguém famoso por 15 minutos, como bem disse Andy Warhol”, argumenta. “Nós, por outro lado, insistimos no anonimato. Embora recebamos doações de algumas pessoas ‘famosas’, queremos mostrar que todos temos histórias interessantes para contar. Tenho certeza de que, se a gente quisesse fazer o jogo de L.A. e aceitar doações de celebridades, seríamos um sucesso de bilheteria. Mas isso se opõe a nossa premissa básica, então vamos esperar para ver o que acontece.”

Pouco mais de três semanas após essa declaração, o museu de Los Angeles enviou um comunicado à imprensa avisando que a galeria seria palco da 21ª temporada do reality show The Bachelor, mais precisamente do episódio levado ao ar nos EUA em 9 de janeiro último. Na ocasião, o atual protagonista da atração, um executivo de 36 anos chamado Nick Viall, se encontrou no museu com “algumas moças de sorte” para falar de suas relações passadas e descobrir qual das participantes pode se tornar seu novo amor – a ideia do programa é encontrar uma esposa para Viall, que já havia participado duas vezes de The Bachelorette, versão em que os rapazes disputam diante das câmeras um lugar no altar ao lado da protagonista. Ao que parece, a paixão, assim como o ato de se desapaixonar, pode mesmo assumir muitas formas.